Lidando com o risco de suicídio

Suicídio: conhecer e evitar, entender e prevenir, esclarecer e impedir!

Em tempos de consciência sobre os agravamentos da saúde mental e da eclosão de maior perícia para confrontar as doenças psiquiátricas nas variadas faixas etárias, dois temas são fundamentais atualmente: a preservação da integridade da vida das pessoas e o afastamento máximo do fim evitável dessa mesma vida!

Claro, sabemos, há um fim inevitável para tudo o que vive, contudo a ocorrência da antecipação dessa inevitabilidade por desconhecimento, descuido ou desatenção de quem circunda a “véspera” da ocorrência gera não apenas perplexidade, mas também comoção pela eventual inação ou distração ainda na proximidade da véspera…

A vida importa, e muito! Toda vida, qualquer vida! Sempre! E não podemos deixar de enfrentar o profundo medo de que ela se torne descartável por temermos mais o falar sobre esse tema − morrer-se − em vez de edificarmos saberes e atos que desfaçam a chance de o tema se transmutar em fatos e se tornar corriqueiro pela escassez de nossa recusa e afeto.

Recordo um momento há mais de cinco décadas: três anos antes de entrar na graduação em Filosofia pude ler, ainda na desprevenida e turbulenta adolescência (e qual não é?), o romance de Clarice Lispector com o título mais sedutor para aquela minha idade: Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres. A sedução veio especialmente por tratar do enlevo agitado entre uma professora e um professor (de Filosofia!); contudo, para além dos meus devaneios sensuais juvenis, no livro ela insere perturbadora admoestação que anotei e que até hoje caminha comigo como mais uma “aprendizagem”: “Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa”.

Temos, sim, de falar sobre o que realmente importa! E, no livro ‘Como lidar com o risco de suicídio’ da Editora Hogrefe, os autores o fazem, com fundamentos e esperanças, levando-nos a dialogar com um panorama histórico que abre as portas para o agora, passando pela conexão intrincada entre suicídio e transtornos psiquiátricos (com indicação de rotas de cuidado), pela presença e pelos contornos do suicídio na infância e na adolescência (com recomendações de precauções) e pelas abordagens possíveis entre suicídio e relações psicológicas.

Em Reinações de Narizinho, Monteiro Lobato faz a boneca Emília esconder o Visconde de Sabugosa dentro do oco de uma árvore, e, quando Pedrinho bate no tronco com um machado, o sabugo “feito gente” geme, simulando ter sido a árvore; Pedrinho tenta, admirado, retirar um pedaço do “pau vivente” para fazer uma reedição de Pinóquio, mas esse pedaço de pau, longe da árvore, não reage e nem emite som algum. Então, para justificar o silêncio, ante o espanto curioso de Pedrinho e para evitar que descubram sua artimanha, diz Emília: “Dona Benta falou outro dia que as grandes dores são mudas”.

As grandes dores são mudas! Essa antiga máxima, presente nos pensamentos que vão de Sêneca (cujo suicídio sentencial é mencionado por Táki Cordás no denso e relevante contexto histórico e inventário filosófico sobre “tirar a própria vida”) até Khalil Gibran, marca uma condição e uma advertência: o silêncio pode ser eloquente e não é sempre sinal de serenidade. Essa ideia se conecta a outra, com frequência citada no campo da investigação científica e delituosa: a ausência de evidência não é evidência de ausência!

Mario Sergio Cortella

Filósofo, escritor, educador, palestrante e professor universitário brasileiro. É autor de vários livros, entre os quais Por que Fazemos o que Fazemos?, em que analisa a vida profissional na contemporaneidade.

Foi Secretário Municipal de Educação de São Paulo (1991–1992) no governo de Luiza Erundina.

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